A junção da paixão pela música e literatura fez com que Joana Garfunkel, ao lado de seu pai Jean Garfunkel, criassem, em 2006, o duo musical Canto Livro.
Cantora, contadora de história e psicóloga, Joana apresenta shows baseados em obras de grandes autores nacionais e estrangeiros, onde a narrativa dos textos é permeada por canções afinadas com a temática desses autores.
A música e a narração de textos, encadeados em um roteiro, possibilitam que o livro saia da estante, fazendo da leitura uma experiência viva, emocionante e interativa.
Joana e Jean Garfunkel realizam um projeto de sensibilização e incentivo à leitura, que visa atender a amantes da literatura, estudantes, educadores e leitores em geral.
Confiram a entrevista de Joana Garfunkel para Cristiane Casquet Educação e Cultura e conheçam um pouco mais sobre esse lindo projeto e a arte de cantar livros.
Cristiane Casquet: Você trabalha com música e literatura e fundou o Projeto Canto Livro, em 2006. Conte um pouco desse projeto. Como surgiu a ideia? De onde veio a inspiração?
Joana Garfunkel: Antes do Canto Livro, nasceu o projeto do show O Sertão na Canção, um show inspirado no Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Eu tinha acabado de me formar em Psicologia e feito uma iniciação científica sobre esta obra. Por esse motivo, conheci Cordisburgo e o Grupo Contadores de Estórias Miguilim. O trabalho deles me inspirou e me ensinou muito. Comecei a decorar e narrar trechos do Grande Sertão: Veredas.
Meu pai, Jean Garfunkel, tinha muita vontade de compor músicas inspiradas na obra de Guimarães Rosa. Passamos a frequentar Cordisburgo e as Semanas Roseanas, conhecemos muitos projetos artísticos inspirados na obra do autor, contexto que acabou nos servindo como estímulo para criar esse espetáculo que definimos como uma sinopse cantada do Grande Sertão: Veredas.
A partir desse primeiro show e da inauguração dessa parceria artística com meu pai, nasceu a vontade de cantar outros autores e temas. Fomos convidados a fazer uma programação mensal pra Livraria Casa de Livros e, posteriormente, pra Livraria Saraiva. Editoras como a Record e a Companhia das Letras passaram a nos encomendar espetáculos de autores como Jorge Amado, Vinícius de Moraes, Isabel Allende, Mia Couto.
Em 2011, iniciamos uma parceria com o MAM-SP e além das apresentações inspiradas nas exposições vigentes, tivemos uma consultoria com a Fátima Freire e aprimoramos nossas oficinas pra leitores e professores. Essa parceria foi responsável por ampliar o diálogo entre linguagens. Os shows do Canto Livro passaram a colocar no palco, além da literatura e da música, as artes audiovisuais e a LIBRAS.
Nessa trajetória, construímos um repertório de quase 30 shows diferentes que vêm sendo apresentados em teatros, Sescs, escolas, bibliotecas, Bienais, feiras do Livro.
Os shows do Canto Livro passaram a colocar no palco, além da literatura e da música, as artes audiovisuais e a LIBRAS.
Cristiane Casquet: Canto Livro é um projeto de incentivo à leitura. Qual a importância da literatura na sua vida? Quando nasceu essa relação?
Joana Garfunkel: Penso que minha relação com a literatura se iniciou antes mesmo de eu começar a ler e até mesmo manusear livros infantis. Meus pais sempre leram muito e devo ter percebido desde muito cedo o prazer que a leitura lhes proporcionava. Antes do livro, vieram as histórias, adorava ouvi-las. Essa paixão pelas histórias me conduziu às minhas duas profissões, inclusive. Tanto a clínica psicanalítica quanto meu trabalho artístico estão intimamente ligados a elas.
Li muito desde sempre. Me lembro de livros da minha primeira infância. Eram meus tesouros. Quando eu tinha entre 7 e 8 anos, minha mãe trabalhou na Livraria Cultura e lembro da expectativa que eu tinha pelos presentes que ela me trazia do trabalho, de vez em quando.
Cristiane Casquet: Sertão Canção é um espetáculo baseado na obra de Guimarães Rosa. Fale um pouco do processo de criação desse show e sua ligação com Guimarães.
Joana Garfunkel: Meu pai brinca que me deu Guimarães Rosa na mamadeira. Ganhei um exemplar de Sagarana de presente dele ainda na adolescência. Fiquei deslumbrada. Me apaixonei por Campo Geral (Miguilim) no ensino médio – era leitura obrigatória. Mergulhei no Grande Sertão: Veredas com 17 anos, prestes a entrar na faculdade. Não tinha amigos da minha geração pra conversar sobre esse livro, na época, mas ele me rendeu longas conversas com meu pai.
Na faculdade, convenci duas amigas próximas a lerem Grande Sertão e, a partir dessa paixão comum, surgiu o projeto de iniciação cientifica. A pesquisa me levou ao sertão mineiro, eu me sentia imersa na obra. Levei meu pai pra conhecer Cordisburgo e as pessoas que vivem em torno da obra de Guimarães Rosa.
Nesse momento, meu pai começou a compor as canções em parceria com meu tio, Paulo Garfunkel. Eu selecionei os trechos da obra de acordo com as canções e, assim, construímos o roteiro.
Atualmente, montei um grupo de leitura coletiva no qual estamos lendo/relendo a obra do Rosa em ordem cronológica.
Cristiane Casquet: Qual a influência dos clássicos na sua formação leitora? Você se lembra do primeiro clássico que leu? Qual te marcou mais?
Joana Garfunkel: Meu primeiro clássico foi uma versão adaptada de Alice no País das Maravilhas. Era um livro grande pra mim na época, eu devia ter 8 anos, talvez. Lembro da sensação de que aquele livro era diferente dos demais, me parecia mais completo e mais complexo. Tenho essa sensação até hoje. Os clássicos são aqueles livros que atravessam os anos nas minhas prateleiras à espera da próxima releitura – que sempre será uma nova leitura.
Meu clássico preferido é, sem dúvida, o Grande Sertão: Veredas. Entre os preferidos estão: Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto; Crime e Castigo, de Dostoievski, Cem Anos de Solidão, de García Marquez, Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago e Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Cristiane Casquet: Quais são seus projetos futuros?
Joana Garfunkel: O sonho do Canto Livro sempre foi estar mais próximo às políticas públicas de Educação. Desenvolvemos, ao longo desses anos, uma metodologia de trabalho que propõe ao leitor uma posição ativa e criativa, uma possibilidade de ser protagonista de seus textos preferidos. O objetivo do Canto Livro é estar mais próximo do potencial jovem leitor e dos professores. O cenário político atual, infelizmente, muito infelizmente, vem nos afastando desses propósitos.
A solução que encontramos no momento foi dar início a um projeto de financiamento coletivo que permita ao Canto Livro circular mais pela cidade de São Paulo, podendo alcançar o jovem e o professor das periferias, principalmente.
O leitor tem uma posição ativa e criativa, uma possibilidade de ser protagonista de seus textos preferidos.
Cristiane Casquet: Reunir pessoas em torno de boa música e literatura de qualidade é um sopro de esperança, num país tão carente de cultura. Que recado você gostaria de dar aos estudantes, educadores e leitores em geral?
Joana Garfunkel: Eu acredito que estamos passando por um período de grande retrocesso no que se refere à conquista de direitos humanos. Isso se reflete no esvaziamento de políticas públicas de Educação e Cultura - e Saúde, para não deixar de mencionar minha outra área de atuação. Eu entendo que a leitura é uma estratégia poderosa na construção de mecanismos de empatia. O leitor é aquele que consegue ter interesse de ver o mundo a partir de um outro olhar, se colocar na pele do outro. Acho, portanto, a leitura uma estratégia poderosa pra combater a intolerância e o individualismo. Penso que, mais do que nunca, projetos de estímulo e sensibilização à leitura se fazem necessários!
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